A discussão sobre o Conhecimento médio (molinismo) tem sido levantada em alguns círculos evangélicos em nosso tempo, uma discussão que tem como alvo determinar quais são os limites e as áreas de atuação do conhecimento de Deus e a liberdade do homem. Essa controvérsia, embora antiga, foi colocada em evidência novamente devido a análise sobre o assunto feita por Alvin Plantinga em seu livro ” Deus, a Liberdade e o Mal.”
Uma breve história
Para compreendermos melhor esse assunto precisamos voltar para o século XVI e perceber que a discussão sobre a Soberania de Deus e a liberdade humana foi um dos assuntos mais debatidos na Igreja Católica Romana. Após a Reforma avançar em toda Europa e homens como Lutero e Calvino serem questionados sobre as principais bases da teologia Católica, os teólogos da igreja de Roma passaram a analisar estes assuntos e a reorganizar a teologia da igreja em resposta a Reforma. Este movimento conhecido como “Contra-Reforma” ficou mais evidente no famoso Concílio de Trento (1545-1563), que foi a tentativa de responder os reformadores e consolidar a teologia Católica Romana.
No período que antecedeu o concilio, este era o assunto discutido nas universidades da Europa. Existia uma tentativa de explicar o conhecimento de Deus, aquele especificamente ligado a sua Soberania, seus Decretos, e ao mesmo tempo a liberdade do homem ou livre-arbítrio. Foi o jesuíta Luís de Molina (1536-1600) que trouxe a tentativa de conciliação deste pensamento [1], introduzindo um novo tipo de conhecimento, aquele que dizia ser ele um conhecimento “médio”. Molina estava claramente tentando responder aos protestantes que acusavam de ser antibíblica a teologia do livre-arbítrio e os méritos baseados no semi-pelagianismo.
O conhecimento médio
O Molinismo tentou articular a onisciência de Deus com a liberdade humana seguindo a linha semi-pelagiana para introduzir o chamado conhecimento médio (media scienctia) entre as duas categorias de conhecimento, o ‘necessário’ e o ‘livre’ de Deus” [2], a saber:
- Conhecimento necessário ou natural: aquele que Deus tem sobre todas as coisas possíveis, inclusive sobre aquelas que ele não desejou criar e por esse motivo ele não é responsável por elas;
- Conhecimento livre: aquele determinado por sua vontade, ou seja, aquele que ele determinou criar, neste caso as criaturas.
O conhecimento médio é, portanto, um conhecimento intermediário. É uma tentativa de conciliar o decreto de Deus com a liberdade humana. O conhecimento natural de Deus é aquele que Ele tem sobre as coisas do mundo, ou seja, embora Deus saiba de todas as coisas, Ele não está influenciando todas as coisas ou coagindo elas a acontecerem, simplesmente Ele sabe que todas irão acontecer, algo que para o Molinismo é conhecido como presciência de Deus. Logo, o conhecimento médio seria um conhecimento de infinitas possibilidades, por exemplo: se Adão não tivesse pecado, Deus já sabia o que fazer, mas ao mesmo tempo se ele pecasse Deus também já conhecia esta realidade.
Portanto, quando o conhecimento livre de Deus entra em ação ele não entra em desacordo com a vontade humana, pois Deus já sabia que iria acontecer em cada uma das possibilidades e assim quando Ele Decreta algo Ele o faz de acordo com o conhecimento médio. Por exemplo, o decreto da queda só acontece, porque Deus já sabia desta possibilidade e porque Adão de fato desobedeceu; uma vez que as duas coisas são verdadeiras, o Decreto não coage o homem àquilo. Assim, o conhecimento médio ou aquele que Ele tem das coisas contingentes (possíveis) precede o decreto.
O molinismo e as Escrituras
O principal texto utilizado pelos molinistas é 1Sm 23:10-13, neste texto vemos que Davi busca a Deus em oração para saber se Saul os venceria caso uma batalha acontecesse na cidade de Queila. A resposta de Deus é clara, Ele diz que eles perderiam a batalha e seriam entregues a Saul, portanto a decisão de Davi foi fugir para que isso não acontecesse. Para os molinistas Deus sabia desta possibilidade, pois Ele conhece várias possibilidades (conhecimento médio); quando Davi escolheu fugir, Deus não foi pego de surpresa, pois Ele sabia desta possiblidade e assim que Davi de fato o faz vemos que aquilo que é realizado é exatamente o que Deus decretou. O conhecimento médio precedeu ao decreto e por fim vemos que Saul cessou de seguir a Davi.
A visão reformada sobre o molinismo e qual é o seu erro
Esta tentativa católica romana de conciliar a Soberania com a liberdade humana mais uma vez faz com que Deus e seu decreto fiquem totalmente dependentes do mundo e do homem. Deus não é mais a fonte de conhecimento independente, pois Ele precisa do homem e do mundo para que seu conhecimento entre em ação. A criatura se torna autônoma enquanto o Criador se torna sujeito a vontade do homem. Portanto, o conhecimento médio é um ataque direto a Soberania e governo de Deus sobre todas as coisas. Deus não é um mero espectador de sua criação, Ele a governa com suas mãos (Is.45.6,7), Ele é perfeitamente Senhor sobre todas as coisas e nada foge de seu controle, ao mesmo tempo em que o homem é responsável por suas ações. No caso citado acima, Saul e Davi fizeram como foi decretado por Deus, não existia outra possibilidade, mas tudo aconteceu como o próprio Deus o determinou, não por ter visto como futuras, mas por ser assim a sua vontade.
Conclusão
O Molinismo tem sido uma tentativa de todas as doutrinas que se baseiam no semi-pelagianismo para responderem o Conhecimento Decretivo de Deus e a liberdade humana. A Bíblia não dá nenhuma base para dizer que existe um conhecimento médio, ao passo que, como Paul Helm afirma:
A Escritura quase nunca menciona algo que possa ser usado para dar suporte ao Molinismo ao passo que ensina de forma perfeitamente clara que Deus age em todas as coisas, até mesmo as ações más de pessoas que agem com completa responsabilidade de acordo com o conselho de Sua própria vontade. [3]
O Molinismo distorce a verdade que é tão clara nas Escrituras de
que Deus Decreta todas as coisas e nada foge a seu conhecimento (Rm.11.33).
[1] GONZÁLES, Justos L. Uma História do Pensamento Cristão: Da Reforma Protestante ao século 20 Vol.3 São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p.224
[2] BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. Vol. 2. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p.204
[3] HELM, Paul. www.bereianos.blogspot.com/2013/08/o-que-e-molinismo.html
5 replies to "O que é o Molinismo ou o conhecimento médio?"
Por favor, leia os molinistas antes de criticar a doutrina. Esse texto tem muitos espantalhos. O conhecimento médio não tem nada a ver com o que foi dito aqui. Além disso, Molina não via a liberdade humana como cooperativa, mas exaltava a soberania de Deus acima das escolhas livres dos homens.
Sugestão de leitura: Kirk MacGregor, “Luis de Molina: the life and theology of the founder of middleknowledge”; Kenneth Keathley, “Salvation and Sovereinty”.
Felipe defina espantalhos? Quando você diz que Molina não defendia uma liberdade cooperativa, o que é então a tentativa do molinismo em unificar a graça suficiente com a eficaz, tornando as duas dependentes da vontade? Foi exatamente está oposição feita pelos dominicanos a Molina. Não tenho dúvida da tentativa feita por Molina ao tentar ressaltar a soberania de Deus, mas como um jesuíta ele não conseguiu abandonar o semi-pelagianismo, com isso a liberdade humana defendida por ele, sempre irá ressaltar o homem em detrimento de Deus, sendo ele o fim último de tudo.
Sugiro a leitura dos livros citados no artigo.
Onde estão os argumentos a favor? E as críticas da outra extremidade (o arminianismo, que julga o molinismo como tão determinista quanto o calvinismo)?
Texto bastante raso. Tão raso quanto a fé reformada tem sido. Não é atoa que Plantinga, de origem reformada, tem repetido a mesma observação em suas palestras: que o “Calvin College”, apesar de quase ninguém saber, não é uma instituição católica como pensam.
Para ajudar o Felipe, adiciono ainda a seguinte leitura: O único Deus sábio, W. L. Craig (em português pela Salcultural). Além disso, outros versículos também apontam para o molinismo: Êxodo 13:17, 1 Samuel 23: 8-14, Jeremias 23: 21-22, Mateus 11: 21-24, 1 Coríntios 2:8.
Que possamos ser mais temperantes em nossos julgamentos. Fiquem na paz de Cristo!
Até agora, é a melhor explicação que tenho aprendido, o Molinismo. Ele fecha as pontas soltas.
Abre a mente para possibilidades, destrava e ajuda a entender e conciliar.
O Calvinismo para mim, nunca ficou tão desconexo e pequeno, depois de começar a Ler os argumentos de Molina, a mente do cara estava, sim, em outro Nível.
E mais, nada, absolutamente nada, é tão absurdo quanto o Calvinismo.
Amo as mensagens expositivas, gosto da exposição do Paul Washer e alguns outros, mas nada é tão soberbo, absurdo e desconexo como a Soteriologia Calvinista, é diabólica e falsa. Fora isso, é linda… rsrs
Confesso que não conhecia o molinismo e procurarei saber mais, pois esta bem de acordo em vários pontos que penso sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Nao creio em um Deus que para ser soberano tem que ser tb a fonte do mal e nem em um Deus que um dia salva e no outro por um deslize meu me lanca no inferno, acredito que ha muito extremimo nesses dois posicionamentos. Nao vejo o calvinismo como diabólico e é uma falta de respeito pensarmos desta forma de nossos irmãos que prpfessam tal doutrina, assim como é desrespeitoso tb mitigar a doutrina Armíniana, como vejo muitos pastores calvinistas fazer e com isso dando mal exemplos para seus liderados. A verdade é que tanto o calvinismo, o Armíniamos e molinismo tem pontas soltas, meus irmãos lembrem que todos nós estaremos com JESUS Cristo no céu. Fiquem na paz!